O sistema tributário do Brasil é tão complexo e confuso que gera pendências da
ordem de R$ 5 trilhões. O valor é resultado das dívidas ativas com a União, Estados e
municípios, e de disputas judiciais e administrativas. Não à toa, o Brasil é o país que
mais perde tempo para gerenciar tributos: 2,6 mil horas por ano, segundo
levantamento do Banco Mundial. Além de provocar um gasto de R$ 50 bilhões por
ano para as empresas, esse é um problema que só se agrava. Por dia, são criadas 31
novas regras tributárias.
Um exemplo das aberrações do sistema tributário brasileiro é o impasse, que foi parar
no Superior Tribunal de Justiça (STJ), da isenção de PIS e Cofins sobre produtos da
cesta básica. “Foram necessários três anos para tomar a decisão de que a farinha de
rosca não é isenta, apesar de o favor fiscal se aplicar à farinha de trigo e ao pão”,
explica o advogado tributarista e sócio do escritório Fleury e Coimbra, Eduardo Fleury.
Fleury destaca que essas distorções podem fazer com que uma empresa que é mais
eficiente e mais conservadora na parte tributária, e que vai parar na Justiça para
saber se usa ou não o benefício fiscal, se torne menos competitiva do que a
concorrente, que simplesmente não paga o imposto. “Às vezes, nem se trata de
concorrência desleal. Simplesmente, há empresas que desconhecem obrigações”,
afirma.
Além disso, ressalta o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
(IBPT), João Eloi Olenike, o número de normas e regras não para de crescer. “Tem
muita gente legislando. São decretos, normas, medidas provisórias (MP), portarias. A
maior aberração é o poder executivo legislar através das MPs. Além da quantidade, as regras são de péssima qualidade e retratam o nosso Congresso Nacional, onde poucos
parlamentares têm curso superior”, critica. Por isso, além de se multiplicarem
diariamente, as normas são alteradas inúmeras vezes.
Com tantos itens para atentar, empresas e escritórios de advocacia agigantam seus
departamentos tributários para dar conta do recado. O custo anual, estimado pelo
IBPT, é de R$ 50 bilhões. “No meu escritório, tem duas pessoas que todos os dias
leem os diários oficiais da União, do Estado de São Paulo e do município. Este ano,
foram raríssimos os dias em que não foi registrada alguma alteração”, conta Valéria
Zotelli, advogada do escritório Miguel Neto Advogados, mestre e doutora em direito
tributário.
“A complexidade do sistema faz com que algumas empresas não recolham porque
nem sabem que precisam. Por outro lado, muitas leis são inconstitucionais e ilegais.
Mas só 10% dos contribuintes questionam na Justiça. As pessoas têm medo do
judiciário porque uma ação tributária não dura menos que cinco anos”, alerta Valéria.
E com custos elevados. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta
que, em primeira instância, uma execução fiscal custa R$ 4,7 mil. Em 2014, a Justiça
Federal recebeu 3,3 milhões de novos processos.
Brasil tem 63 tributos
Ao contrário da maioria dos países, que têm imposto único, o Brasil tem 63 tributos
vigentes. Para agravar a complexidade do sistema brasileiro, são várias as instâncias
onde tramitam ações tributárias.
O diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCFI), economista Bernard Appy, explica que,
atualmente, cerca de R$ 1,5 trilhão em impostos estão em contenciosos judiciais e
administrativos na esfera do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e de
seus congêneres estaduais e municipais. Outros R$ 500 bilhões são matérias
tributárias em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Além de R$ 1,6 trilhão
em dívidas ativas da União e de R$ 1,4 trilhão de Estados e municípios. “Desses R$ 3
trilhões, no entanto, só R$ 500 bilhões são recuperáveis. O resto é crédito podre”,
calcula.
João Eloi Olenike, presidente do IBPT, explica que, nos Estados Unidos, por exemplo,
há apenas um tributo sobre o consumo que vai de 6% a 12%. “Lá fora, os governos
dão benefícios, esperam as empresas crescerem e gerarem lucro para arrecadar. No
Brasil, são quatro grandes tributos de consumo, fora o que ainda é embutido no preço
até o consumidor final. E tudo aqui é imediato. O governo quer pegar na frente”,
compara.
O especialista alerta que 70% da arrecadação do país é sobre consumo. Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), PIS/Cofins e Imposto sobre Serviços (ISS) incidem em praticamente todos os
produtos e serviços comercializados no país. “Só a compilação de leis do PIS/Cofins
tem 1.826 páginas. Qualquer regulamento do ICMS tem esse tamanho, multiplicado
por 27, porque cada unidade da federação tem um diferente”, enumera Appy, do CCFI.
Ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy assinala que a
maioria dos países aplica somente o Imposto sobre Valor Agregado e o grau de litígio
é infinitamente menor do que existe em apenas um dos impostos brasileiros. “O IPI,
por exemplo, não deveria existir pela quantidade de alíquotas. São milhares de
diferenciações e isenções”, lamenta Appy. “A questão da substituição tributária de
ICMS, quando entra e sai de um estado para outro, é de uma complexidade cavalar. A
mesma coisa o PIS, por conta das isenções”, assinala.
Para Eduardo Fleury, as substituições tributárias provocam aberrações. “Se uma
empresa produz um parafuso e vende para outro estado, pode entrar como
substituição se for peça para carro. Se for para qualquer outro fim, não tem
substituição. Se mandar para um estado é uma regra, para outra unidade da
federação, outra norma”, reclama.
As isenções, além de complexas, diz Fleury, são ineficientes. “Nos produtos da cesta
básica, por exemplo, quem mais se beneficia do favor fiscal são as famílias de classe
média alta, e não os mais pobres”, revela. Ele explica que, da renúncia de R$ 10
bilhões da cesta, metade beneficia quem ganha mais de R$ 4,1 mil por mês. “Ajuda a
concentrar a renda”, diz.
Fonte: Correio Braziliense